A Formação do Império do Brasil
- RICARDO GOMES RODRIGUES
- 24 de jan. de 2024
- 9 min de leitura
A Abdicação
Desde a fundação do Império do Brasil em 1º de dezembro de 1822 e sua proclamação como Imperador, Dom Pedro Primeiro exercia seu reinado de forma ambígua, mas com suas preocupações principais dirigidas à Portugal, onde o trono de sua filha estava sendo usurpado pelo tio Dom Miguel que como regente, atuava com tirania em confronto permanente à Dom Pedro.
A Fundação do Império do Brasil não transformava Dom Pedro I em Imperador, mas numa figura política ambígua muito ligada ainda ao já moribundo Império Português, que para todos os efeitos, ele representava essa figura Imperial máxima. No final, nem era Imperador do Brasil, nem Rei de Portugal, e muito menos uma figura Imperial de um já falecido Império Português.
O Clima Político em Portugal
Em Portugal, a secessão entre o Reino e o Império provocou uma intensa guerra civil, aonde seu irmão Dom Miguel representava as forças conservadoras remanescentes do “ancien regime” absolutista, e que culpava Dom Pedro I por suas políticas liberais de uma monarquia constitucional como a desgraça que dilacerava o Reino de Portugal e, ainda, como regente da filha de Dom Pedro (Dona maria da Glória), a via como representante dessa dilaceração entre Brasil e Portugal, pregando sua destituição e a proclamação de Dom Miguel como Rei de Portugal com a missão de restaurar a monarquia absolutista de antes.
O Clima Político no Brasil
No Brasil, o Império nascia como uma monarquia constitucional e representativa baseada num modelo parlamentarista, que repartia as responsabilidades do governo monárquico entre o Imperador e a Assembleia Nacional. E, aí, estava todo o contencioso entre Dom Pedro I e o Império do Brasil. Dom Pedro não compreendia bem os limites desse compartilhamento de responsabilidades, criando um contencioso entre o poder do Imperador e o da Assembleia Nacional.
O ponto de discórdia máxima nesse contencioso foi a própria Constituição do Império, a qual Dom Pedro via como limitante de seu poder Real, sem entender bem o que significava uma monarquia constitucional ou um regime parlamentarista.
Para Dom Pedro a Assembleia Nacional era um acessório não um poder, e que o governo era o governo de sua Majestade e não o da Assembleia, portanto, era ele quem definia o Ministério de “Seu” Governo, e não um Ministro nomeado pela Assembleia como chefe de Governo “próprio”. Não entendia os limites entre Chefe de Estado, o Imperador e Chefe de Governo, o Presidente do Conselho de Ministros.
A Ruptura
O Contencioso entre Dom Pedro Primeiro e a Assembleia Nacional caminhava rapidamente para uma ruptura, e era responsável pela crescente tensão política e social que se avolumava. A criação do poder Moderador foi uma concessão política à Dom Pedro, que não viu dessa maneira e num ato de mudança de humor sanguíneo e temperamental, que lhe era peculiar quando se via contrariado, fechou a Assembleia Constituinte e “promulgou” a Constituição do Império em 1824.
A partir daí a ruptura entre o Imperador e a Constituição de uma Monarquia representativa e parlamentarista estava instalado. Passou a ser a percepção de todos que Dom Pedro Primeiro agia de má fé, e que suas preocupações era manter um poder absolutista que pairasse por sobre o Brasil e Portugal. E, ainda, que os acontecimentos em Portugal era o ponto angustiante de seu Governo no Brasil.
O Partido dos Portugueses, como ficou conhecido então, apoiava incondicionalmente o Imperador, e o Partido dos Brasileiros era não só contra, como também, se mobilizava contra a tirania de Dom Pedro, que com o aumento das pressões políticas contra ele, não hesitava em encarcerar críticos e censurar jornais e manuscritos dos Brasileiros.
O Consenso
Com a Assembleia Nacional fechada, Portugueses e Brasileiros foram aos poucos chegando a um consenso sobre como seguir a diante com o Império do Brasil, percebendo ambos os partidos que o Império era um caminho sem volta, mas sem Dom Pedro Primeiro.
O consenso formado era de que a Constituição era para todos os efeitos genuína, e que o próprio poder moderador não seria propriamente dito um poder imperial, mas um ato legal de dissolução da assembleia em caso de impasse político, mas que de forma alguma teria o poder de fechar a Assembleia Nacional ou, ainda, destituir o Presidente do Conselho de Ministros, que passava a ser o Governo Legal de Sua Majestade Brasileira.
O papel do poder do próprio Imperador seria exercido dentro dos limites da ação política, ou seja, do Governo, que em última análise era o Governo de Sua Majestade. Dessa forma, o poder do Imperador, para além de simbólico, era representativo como não apenas chefe de Estado, mas Chefe da Igreja, Juiz em Cortes Militares, ainda tendo no Senado Vitalício sua voz de representação política e institucional.
O Ato de Abdicação
Diante do consenso político entre Portugueses e Brasileiros, o Chefe da Guarda Imperial, Dom Alves de Lima e Silva, manda reabrir a Assembleia Nacional, soltar todos os presos políticos, recebendo a incumbência de comunicar a Dom Pedro Primeiro em São Cristóvão as decisões da Assembleia que recomendava a Sua Majestade que Abdicasse em favor de seu filho, também, Pedro, ainda criança, mas que com a maioridade seria reconhecido como Dom Pedro II e Imperador do Brasil
A tarefa era árdua, Dom Pedro era dado a rampantes de humor e tanto poderia aceitar as recomendações da Assembleia, quanto poderia reagir violentamente. No entanto, realisticamente o Governo de Dom Pedro Primeiro estava exaurido de poder político e não tinha mais base alguma de sustentação. Ele já sabia disso, e esperava, no final das contas, por essa solução da abdicação como inevitável.
A Audiência da Abdicação
Audiências com o Imperador em São Cristóvão não era tarefa fácil. O cerimonial era rígido, e tudo era preciso ser marcado com antecedência de acordo com a conveniência e discrição do Imperador que poderia marcar e desmarcar compromissos sem avisar.
No entanto, a situação era grave, e o cerimonial do Paço não teve como evitar em receber a delegação da Assembleia Nacional em situação extraordinária liderada pelo Chefe de sua Guarda Imperial, Dom Alves de Lima e Silva, futuro Duque de Caxias.
A Posição de Lima e Silva era extremamente desconfortável pois qualquer palavra mal dirigida ao Imperador poderia ser vista como deslealdade comprometendo sua posição como Chefe da Guarda Imperial. No entanto, as habilidades de Lima e Silva provaram ser das melhores o que lhe valeu um imenso prestígio não apenas junto as tropas como diante de toda Assembleia Nacional, o que no futuro lhe valeria o título nobiliárquico máximo do Império do Brasil como Duque de Caxias.
A Audiência com o Imperador
Em 7 de Abril de 1831, uma comitiva de carros faz fila na porta do Palácio de São Cristóvão. Dos Carros da Frente descem Dom Alves de Lima e Silva, seguido pelo Embaixador Britânico, e pelo Presidente da Assembleia Nacional, além de Deputados, Ministros e representantes da Igreja.
O Mordomo do Paço, muito prestativo conduz a todos ao Salão dos Embaixadores para a audiência com o Imperador, dizendo como advertência
_Peço a todos que compreendam que pode haver algum atraso nessa recepção pois que sua Majestade foi informado muito em cima da hora desse compromisso. Vamos fazer de tudo para minorar a espera e expedir o compromisso. Agradecemos a compreensão de todos em nome de Sua Majestade.
E a espera foi longa! Dom Pedro Primeiro sabia do desenlace dessa audiência e propositadamente fez todos esperar, criando, assim, um clima de tensão que acreditava lhe seria favorável nas negociações. Embora tivesse ele, o Imperador, pouco a oferecer, senão sua compreensão da gravidade da situação de seu governo e de sua dinastia no Brasil.
Finalmente, passado já mais de uma hora de espera, entra o Mordomo do Paço para anunciar solenemente.
_ Senhores todos de pé! Sua Majestade Imperial do Brasil!
Entra o Imperador sozinho, com semblante grave e triste, sentando-se na poltrona de audiência. Todos de pé, reclinam a cabeça em sinal de respeito, esperando a ordem de Dom Pedro para que sentassem.
_Por favor, acomodem-se, diz o Imperador
_Bem, vamos direto ao assunto, pois que Vossas Senhorias querem minha cabeça, e do meu Governo. Esse é o Imperador que vos fala pelo juramento de lealdade que recebi de graça de Vossas Senhorias mesmas.
O Imperador começa assim a audiência dando sinais de que está disposto a intimidar.
Um silêncio gélido toma conta do ambiente. A Audiência iria ser difícil.
Dom Alves de Lima e Silva, o Chefe de sua Guarda Imperial intervém:
_Pelo juramento de lealdade que devemos a Vossa Majestade, só falaremos a verdade com o intuito de protegê-lo, de sustentar seu governo e sua casa Real e Imperial.
Intervém o Imperador:
_Dom Alves de Lima e Silva! De muito já considero sua lealdade a essa nossa Casa Real e Imperial, e vejo sua presença aqui nessa audiência como argumento positivo para que possamos chegar a um consenso benefício ao Império do Brasil, e a esse Imperador que vos fala. Prossiga, pois!
_ Majestade! A Assembleia foi reaberta e decretou anistia, constituindo, dessa forma, um novo gabinete Ministerial. Esse novo Governo com o intuito de restabelecer a paz social roga desde já à Vossa Majestade que referende seus atos constitucionais de formação de Governo, outorgando-lhe assim poderes plenipotenciários sobre os destinos do Império do Brasil, de seu Governo e de sua casa Real e Imperial.
Estava aí implícito a abdicação. Referendar os atos da Assembleia, e nomear o novo governo constituído indicado pelos Deputados, significava que o Imperador reconheceria os poderes legislativos da Câmara para governar o Império através dos Ministros nomeados pelo Presidente do Conselho indicado pela Casa Legislativa, e não mais pelo Imperador.
Havia uma tensão no ar. Lima e Silva não fez rodeios e jogou todas as cartas. A Abdicação estava posta por sobre a mesa. O Imperador mirou todos com atenção, e com a voz embargada disse:
_Parece que minha missão no Brasil terminou! Perdi um Império para meu filho e um Reino para minha filha. Nada mais me resta! Tive um destino atribulado e incerto!
Retruca Lima e Silva:
_ De Modo Algum! Vossa Majestade é pai de dois reinos do Brasil e de Portugal. No final, expandiu sua casa Real em Imperial. Deixa como consolo as altas tradições tanto de Portugal quanto do Brasil para uma descendência que atravessara a História de dois Continentes.
Num ato de celebração, Lima e Silva levanta-se da cadeira e diz:
_Senhores todos de pé! Saldemos todos a Sua Majestade Imperial do Brasil!
Aplausos e vivas ao Imperador
Intervém o Embaixador Britânico:
A missão de Vossa majestade não terminou! Portugal está convulso com seu irmão Miguel como regente.
Preocupa o Governo de Sua Majestade Britânica a atual influência francesa sobre Portugal. Sua Majestade teme que Portugal seja usado para reviver as infames tradições caudilhescas do General Napoleão, e que a guerra volte à Europa. Não podemos permitir isso.
Continuando, explicou a Dom Pedro Primeiro os planos Britânicos:
_ Uma Corveta Britânica o espera no Porto do Rio de Janeiro para levá-lo a Londres aonde se juntará ao Almirantado conjunto Luso Britânico com o objetivo de destituir seu irmão Dom Miguel, e reestabelecer o governo de sua filha Dona Maria da Glória, tendo Vossa Majestade mesmo como Regente.
_Vossa majestade é imprescindível! E o momento é crítico tanto em Portugal como na Europa
As palavras do Embaixador Britânico animaram o espírito empreendedor de Dom Pedro que disse:
_ Parece que ainda me necessitam. Estou pronto!
Essas palavras soaram como um alívio que dissolveu as tensões de antes. A abdicação já era uma realidade.
Em suas últimas palavras, Dom Pedro Primeiro do Brasil e Quarto de Portugal disse:
_ Senhores! Vossas Senhorias! Retiro-me da história do Brasil para sempre, e deixo meu filho para que façam bom uso da sabedoria de nossa casa Real e Imperial de Bragança, e que ele possa reestabelecer essa ligação indivisível que sempre haverá entre Portugal e o Brasil.
Dom Alves de Lima e Silva, lidera o coro:
_Que Deus Salve Vossa Majestade do Brasil!
_Que Deus Salve Vossa Majestade do Brasil!
_Que Deus Salve Vossa Majestade do Brasil!
Dom Pedro Primeiro levantou-se da poltrona de audiência, e acompanhado por seu mordomo desaparece de cena pela porta principal do salão dos Embaixadores de São Cristóvão sob o coro insistente e aplausos:
_Que Deus Salve Vossa Majestade do Brasil!
_Que Deus Salve Vossa Majestade do Brasil!
_Que Deus Salve Vossa Majestade do Brasil!
As Regências
O fim do Primeiro Reinado de Dom Pedro Primeiro, significou antes de mais nada a constituição de um governo parlamentarista que acompanharia o Brasil por toda a existência de seu Império.
Ficou implícito no ato de abdicação que o Governo seria o Governo da Assembleia Nacional em nome de sua Majestade Brasileira. De fato, o governo do Brasil até 15 de novembro de 1889 foi formado pelos partidos conservador e liberal, que herdavam as tradições dos partidos dos Portugueses e dos Brasileiros desde a época de Dom João Sexto, constituindo-se assim o Brasil através de quase 90 anos numa sociedade civil que de fato governava o Brasil de forma autônoma e independente. Nunca durante esse período Imperial de nossa história houve perseguições políticas, encarceramentos, censura de quaisquer espécies.
A ordem social no Império do Brasil tinha o Imperador no centro atuando em conjunto com a Igreja da qual ele era o representante máximo. O poder político era dessa sociedade civil constituída, e representada pela Assembleia Nacional e ambos, tanto o poder político e social, estabeleceram uma harmonia que reconhecia os limites de cada um. É por essa razão que nunca houve golpes de Estado ou revoluções nesse período de nossa História Imperial.
Os anos das Regência foram difíceis. O Governo era monárquico, mas sem um Imperador, o que suscitava as oligarquias regionais a atuarem à margem do Gabinete de Ministros no Rio de Janeiro. Era Dom Alves de Lima e Silva que atuava como não apenas tutor legal do Imperador infante, mas também, como aquele que reforçava as tradições Reais e Imperiais dando legitimidade ao Império do Brasil.
O Império durou enquanto viveu o Duque de Caxias!
Que Deus Salve Sua Majestade do Brasil!
Que Deus Salve o Duque de Caxias!
Pelo professor Ricardo Gomes Rodrigues
São Carlos, SP 23 de fevereiro de 2024
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