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A Crise Liberal - 2ª Parte: Valor e Ordem das Coisas


Os pós Outubro de 1929, golpeavam a economia Norte Americana de modo assustador, o desemprego atingia 35% do mercado de trabalho.


O “mecanismo” mercado de produção, mercado de consumo e financeiro tinha colapsado, e a crise era do sistema produtivo industrial, que teve o epicentro de sua maior dramaticidade no mercado de valores mobiliários (bolsa de valores).


O valor da moeda (dólar) não tinha sido atingido, USD 500 continuavam a valer o mesmo, senão que tinham se valorizado devido à escassez e a tremenda falta de liquidez no mercado, atingido por um desemprego de 35% que havia paralisado a produção industrial e o consumo.


A final, o que estava acontecendo na outrora vigorosa economia estadunidense do famoso “Sonho Americano” dos loucos anos da década dourada de 1920?


O “Sonho Americano”: produção e consumo


O “sonho americano” representava a ascensão das massas não como operariado, mas como classe média, que no período entre 1919 e 1929, tinha tido um impressionante ganho de produtividade, favorecendo altos salários e consequentemente consumo desenfreado, seguido de um fabuloso mercado de produção e consumo jamais visto.


O que ninguém nos pós 1929 compreendia bem era o que tinha dado errado, já que nas vésperas do outubro negro, os dados mostravam nada de anormal.


A crise veio sem avisar e aos poucos, mostrando lentamente sua cara mais feia, virando em dado momento de preocupação para o pânico generalizado.


No início, parecia mais um ciclo de baixa que lentamente com o passar dos meses virou para o pânico, já que as perdas tinham que ser cobertas arrecadando-se o que estava depositado à vista nos bancos, provocando uma falta de liquidez no mercado, para compensar a perda generalizada dos valores esperados dos títulos fiduciários desde ações até qualquer outro tipo de título de investimento ou poupança, que perdiam “valor” com rapidez como demonstrado nos pregões da Bolsa de Nova York.


Na medida em que os títulos fiduciários perdiam valor, as pessoas eram obrigadas a compensar essas perdas saqueando seus depósitos à vista dos bancos, provocando uma corrida, que quebrava os bancos, arrastando todo o sistema financeiro para uma verdadeira catástrofe.


Como consequência, a moeda (dólar) sofreu uma hiper valorização, passando a ficar “retida” nos colchões da classe média, tornando inviáveis quaisquer formas de emissões de títulos de investimento ou poupança, fazendo “desaparecer” o mercado financeiro.


A paralisia do sistema financeiro, impedia investimentos tanto para o setor produtivo quanto para o consumo diante de uma classe média em pânico, retendo dinheiro de suas poupanças nos “colchões”, fugindo dos bancos e de qualquer título fiduciário.


O “Pesadelo Americano”: o valor das coisas.


A quebra do sistema financeiro, que outrora capitalizava os formidáveis ganhos de produtividade do sistema de produção e consumo, fez ruir o “sonho americano” de consumo da classe média, provocando uma crise generalizada de valores de tudo que havia sido estocado como acúmulo de riqueza através dos loucos anos de 1920, que de repente passou a ser questionado quanto ao mérito de seu valor.


O questionamento sobre valores estava centrado nas operações com títulos na Bolsa de Nova York, pois que a súbita queda nos pregões expunha a poupança e o investimento de milhares de pessoas, que de repente se davam conta que tanto os valores dos títulos que possuíam em mãos quanto dos números expressos nos pregões não refletiam o que eles pensavam que tinham acumulado como riqueza.


A produção em massa das linhas de montagem de Henry Ford, haviam impulsionado não apenas um súbito aumento de produtividade, mas também gerado esse “mecanismo” de mercado a partir da produção e do consumo, acompanhado também pelo sistema financeiro que capitalizava ganhos marginais por sobre os custos de produção e financiamento do consumo, numa escala nunca antes visto.

A fim de que o sistema financeiro se adaptasse a essas novas realidades de um brutal aumento da produtividade industrial e do consumo, que havia criado nos Estados Unidos uma imensa classe média, teve que haver uma transição entre o que esse sistema considerava “valor”, passando desde moedas metálicas em direção a títulos fiduciários emitidos em confiança.


Essa transição na noção de valores era absolutamente necessária, já que as moedas metálicas, principalmente o ouro, severamente restringiam as emissões em quantidades necessárias e suficientes para financiar aquele aumento extraordinariamente rápido tanto da produção quanto do consumo, alterando desse modo a tradicional noção de valor como sendo sólido e ancorado em metais (ouro e prata), os quais davam uma aparente impressão de solidez às transações financeiras e ao acúmulo de riqueza.


O impressionante ascenso das massas estadunidenses, criando o “Sonho Americano”, ancorado nos ganhos de produtividade das linhas de montagem, criou como subproduto um sistema financeiro de “massa” para financiar as “massas”, promovendo uma alteração fundamental na percepção de valores não apenas financeiro, mas de todas as coisas em geral.


Essa alteração na noção de valores das “coisas”, promoveu também uma mudança na ordem de como o mundo observava a realidade, a partir da aparente solidez das moedas metálicas em direção as moedas fiduciárias, de outro modo não haveria como criar um sistema financeiro que suportasse as enormes quantidades que estavam sendo produzidas e consumidas avidamente pela classe média norte americana.


Essas mudanças criaram a noção de que um formidável esquema de pirâmides financeiras estava em curso, como ficou muito claro através do experimento “Ponzi” de financiamentos e retornos escalonados, a partir de uma imensa massa na base (classe média), escalonando ganhos crescentes para todos em direção ao topo onde estava o próprio sistema do financista Ponzi.


Charles Ponzi estava apenas replicando o sistema financeiro que na época não tinha regulamentação, e a quebra do sistema Ponzi seria um alerta para o que estava sendo engendrado dentro do próprio sistema, ou seja, o conjunto de garantias que justificavam tanto os títulos, quanto as moedas fiduciárias.


A definição do que seriam essas garantias estava no centro da percepção de valores e a ordem das coisas, que explicava a transição de valores metálicos (ouro e prata) para fiduciários (baseados em garantias).


Enquanto o sistema crescia vertiginosamente entre 1919 e 1929, esses questionamentos eram pouco perceptíveis, mas o estouro do sistema idealizado por Charles Ponzi já tinha começado a levantar suspeitas em relação a “garantias” num sistema financeiro totalmente desregulado e liberal.


A quebra da Confiança e o começo do pesadelo


Mas a pergunta permanece, o que provocou a queda súbita dos valores dos títulos (fiduciários) em outubro de 1929, e sua impossibilidade de se recuperar, já que as flutuações de preços nesse mercado eram coisa comum, apenas que nessa data a inflexão para baixo tinha sido um pouco mais acentuada.


O que aconteceu?


Embora o sistema de negociação de títulos bursáteis de Nova York tinha sido o ponto de ruptura, não era ele o epicentro da crise.

O epicentro da crise era o sistema produtivo, que vinha auferindo ganhos contínuos de produtividade através das linhas de montagem de Ford numa velocidade tão grande que reduzia constantemente os custos médios para baixo, os salários para cima, e reduzindo cada vez mais os custos marginais que justificavam os empolgantes ganhos crescentes do sistema financeiro, pivô tanto da produção quanto do consumo.


Libertas de maiores questionamentos sobre garantias, as moedas fiduciárias estocadas no sistema financeiro não mais representavam acúmulo de riqueza, mas apenas uma parte essencial do mecanismo “produção, consumo e financiamento”, levando a um desvirtuamento da noção de valores na sociedade altamente industrializada, operando ainda sob um sistema imaginário sólido e fixo, para outro fluído baseado na noção de “garantias”.


A revolução monetária

Historicamente entre 1919 e 1929, valor em uma sociedade industrial avançada passou a ser a transformação de capital, terra e trabalho em bens de consumo, e que não haveria mais essa noção de acúmulo de riqueza monetária, mas sim da capacidade industrial que regeria todos os aspectos sociais (trabalho) e produtivos (industriais) dessa mesma sociedade.


Sem a noção de acúmulo de riqueza, as emissões das moedas fiduciárias passariam a ser reguladas pelos estoques de produção, os quais poderiam gerar inflação ou deflação dos preços ancorados nos custos de produção e amparados nos estoques. Então, produção, consumo e financiamento estariam vinculados a custos e preços, totalmente dissociados da emissão de títulos e moedas fiduciárias, os quais passaram a servir aos interesses da produção e do consumo e não do acúmulo de valores monetários.


Diante dessas novas realidades, títulos fiduciários, especialmente aqueles negociados em bolsa, passaram a ser produtos de consumo (de investimentos) subprodutos das linhas de montagem, transformando tanto produtos industriais de consumo, quanto títulos e moedas em commodities.


A classe média norte americana, enriquecida pelos loucos anos 20, foram às compras tanto para bens de consumo quanto para títulos de investimentos.


Charles Ponzi tinha razão...


Num certo momento em outubro de 1929, não foram os preços dos títulos que despencaram, mas a frágil noção de garantias fiduciárias que tinha chegado a exaustão de ganhos que passaram de serem sempre crescentes para decrescentes devido a custos marginais que não mais justificavam investimentos.


Salário, Emprego e Renda


Os efeitos foram se encadeando, a partir dos custos e preços da produção em direção aos preços de títulos fiduciários, aliados a percepção de que a gigantesca produção industrial não gerava acúmulo de riqueza, uma vez que a noção de valor nessa sociedade altamente industrializada tinha se tornado apenas a transformação de capital, terra e trabalho em bens de consumo.


O pânico foi lentamente contaminando todo o sistema financeiro e produtivo, e como a questão era sobre garantias num sistema econômico liberal mal compreendido e totalmente desregulado, a corrida foi aos bancos, numa tentativa de manter as moedas fiduciárias nos colchões da classe média que perdia seus empregos e, portanto os valores correspondentes de seus salários, comprometendo os enlaces nos mecanismos do salário, emprego e renda com os do mercado de produção, consumo e financiamento.


Pelo Professor Ricardo Gomes Rodrigues


São Carlos, São Paulo, 13 de julho de 2025




 
 
 

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