O Drama de Mercado da Ferrovia Norte-Sul
- RICARDO GOMES RODRIGUES
- 14 de nov. de 2023
- 5 min de leitura

O “mercado” não é uma entidade “desestruturada”, aonde qualquer um com apenas uma boa ideia pode prosperar e ficar “rico”. Longe disso! O mercado é extremamente estruturado, e como consequência entrar ou sair dele é uma questão de vida ou morte.
Sem exageros! Milhares de boas ideias todos os dias morrem na praia por que são alvo de sabotagem, e todo o tipo de perseguição com o intuito de “consolidar” aqueles que se mantém à tona e atuando no mercado.
É preciso, quase sempre, uma grande fortuna para se fazer uma pequena fortuna nessa ideia de “mercado” atual. Essa arena de competição é maldosa e não tem nada a ver com eficiência, mas com poder de impor sua “visão” própria de “mercado”.
O problema é que com o avanço da Internet, e das mídias sociais uma imensa quantidade de informação está alterando essas regras altamente estruturadas do mercado, pois que pessoas muito bem informadas estão questionando aqueles que querem impor sua “visão” de negócio nesse mercado altamente estruturado, usando de conversa fiada. O que está mudando nessa “nova visão” de mercado é que não vale mais conversa fiada, em inglês (bullshit).
Se antes, análises apressadas sem muita elaboração, mas com quilos de dinheiro se podia impor uma visão certa ou errada; agora com essa imensa quantidade de informação, e pessoas capacitadas correndo por fora, detonam facilmente antigas falácias, e artimanhas que visam apenas beneficiar alguns à custa da maioria, quase sempre com o objetivo de lesar o erário público.
Esses projetos de recuperação do arcaico, e extremamente sucateado sistema ferroviário brasileiro é exemplo disso que estou comentando aqui. Nenhum desses projetos que andam por aí tem qualquer possibilidade de sucesso, pois que as Ferrovias no Brasil perderam o “bonde” da história há muito tempo atrás, quando na década de 1960, constatou-se que o sistema ferroviário brasileiro consumia em subsídios federais duas vezes mais que o orçamento do Ministério da educação na época. A partir daí, a batalha pelas Ferrovias no Brasil estava perdida, e para sempre.
Essa famigerada Ferrovia Norte-Sul é um bom exemplo de como um planejamento muito ruim, e sem uma visão econômica clara de como funciona um sistema de transporte levou o Governo Federal, através de sua empresa pública a tal da Valec, a enterrar milhões sem resultado significativo algum.
Um completo fracasso porque seus planejadores perseguiram uma visão própria de negócio que não funcionava, e continua não funcionando. O relevo Brasileiro é o ponto de partida de análise para qualquer projeto de transportes terrestres seja ferroviário ou rodoviário.
A Ferrovia Norte-Sul era parte dessa visão completamente equivocada para se constituir numa espécie de “espinha dorsal” de uma nova “visão” para um futuro recuperado do sistema ferroviário brasileiro, ligando desde Belém até Porto Alegre, seguindo a trilha da BR-153.
O erro fundamental de tal “visão” completamente equivocada é de que essa “linha” de projeto Ferroviário corre por de trás do maciço da Serra do Mar, o qual bloqueia quaisquer possibilidades de conexões portuárias dessa ferrovia, que passa a ligar nada a lugar algum.
Todas as ligações de transportes terrestres no sentido leste-oeste, devido ao relevo Brasileiro, esbarram nesse problema de transpor o imenso obstáculo oferecido pelo relevo encrespado da Serra do Mar desde o Rio Grande do Sul até o sul da Bahia, justamente o trecho mais densamente povoado e economicamente mais desenvolvido do Brasil.
A ferrovia Norte-Sul tornou-se um projeto atolado nesse sentido Norte-Sul, tendo como saída mais provável o Porto de São Luís no Maranhão, isso por que faz conexão com a ferrovia de Carajás da Vale. Outra possibilidade é ligar-se ao sistema ferroviário paulista, já muito saturado, em direção à Santos, estabelecendo uma competição ruinosa com as ferrovias Centro-Atlântica desde Catalão, a Rumo-Cosan que assumiu a conexão da antiga Sorocabana-Santos, e a MRS (antiga Santos-Jundiaí). Quaisquer outras possibilidades não são muito prováveis!

Tanto a BR-262, a partir de Uberaba em Minas, quanto a BR-242, a partir de Gurupi em Tocantins (que está truncada num trecho de apenas 50 km); fazem essa ligação no sentido leste-oeste do Planalto Central ao litoral, mas com dificuldades. Entre Belo Horizonte e o Porto de Vitória, a BR-262 é extremamente tortuosa não beneficiando caminhões grandes e muito carregados.
A BR-242, a partir de Luís Eduardo Magalhães, segue em direção ao recôncavo Baiano, conectando-se com a BR-116 na altura de Ipueira, próxima de Feira de Santana, e com a BR-101, em Sapeaçu, próxima de Cruz das Almas.
Essa conexão da BR-242 ao recôncavo baiano não é favorável ao agronegócio, pois que seus portos são especializados em petróleo e derivados, e o Porto de Salvador não é propício as rotas marítimas do agronegócio, embora ocasionalmente isso o ocorra.

A tal planejada ferrovia Oeste-Leste segue, aproximadamente, o traçado da BR-242 nessa rota descrita acima, só que se desvia em direção a Vitória da Conquista para atingir Ilhéus, mas não o seu Porto atual, e sim um outro, que é um mero projeto, 50 km ao norte da cidade.
Entre Vitória da Conquista, Jequié e Ilhéus, na Bahia, o relevo é ainda típico da Serra do Mar embora mais suave, porém encrespado.
Seguindo a alternativa projetada dessa Ferrovia Oeste-Leste, através da rota da BR-030 via Jequié, alcança-se Ilhéus pelo Norte num terreno mais plano, mas numa área ainda hoje muito pouco habitada.
O grave desse projeto é que ele corta o coração do semiárido baiano entre Barreiras e Vitória da conquista, passando por Ibitirama. Viajei todo esse trecho, e o tráfego nessa região em direção tanto a Salvador quanto a Vitória da Conquista é mínimo, muito menos em direção a Jequié ou, mais ainda, ao norte desabitado de Ilhéus.
A partir de Luís Eduardo Magalhães, o tráfego segue em direção sul à Brasília pela BR-020, conectando-se com a BR-153 em Anápolis, Goiás, já que os 50 km que estão quebrados da BR-242 impedem uma conexão viável com a BR-153 em direção oeste a Gurupi no Tocantins.

Olha só o emaranhado dessa complicação, que para mim é proposital, pois querem estabelecer uma conexão ferroviária portuária viável para a Norte-Sul a qualquer custo, seguindo um trajeto tortuoso, sem conexão com rotas marítimas do agronegócio (ver Marinetraffic.com) para um hipotético porto que sequer foi ainda construído.
As conexões portuárias a partir de Luís Eduardo Magalhães são prioritariamente em direção à Santos por razões razoavelmente óbvias pela BR-153; via Uberaba e Uberlândia pela BR-050, atingindo-se Ribeirão Preto através da SP-330 em direção a Campinas e Jundiaí; com uma opção ferroviária via Ferrovia Centro-Atlântica em Catalão, e opções de tráfego por Campinas pela MRS (Santos-Jundiaí), e ainda, através da conexão Sorocaba-Santos pertencente a Rumo-Cosan.

As alternativas de conexões da Norte-sul em direção à Santos, a partir de seu terminal já pronto em Rio Verde em Goiás, conectando-se à malha paulista em Estrela D’Oeste, São Paulo, não está claro se já foi construído, ou ainda está nessa eterna fase de construção que nunca termina. Essa conexão, que me parece foi outorgada à Rumo-Cosan, competindo com sua própria malha que vem de Rondonópolis, fazendo conexões em Aparecida do Taboado em Mato Grosso do sul, e Santa Fé em São Paulo, que segue a partir daí o traçado da antiga Ferrovia Paulista.

Na direção sul, qualquer possível conexão ferroviária da Norte-Sul com os Portos de Paranaguá no Paraná, ou São Francisco em Santa Catarina é uma imensa dor de cabeça devido a um relevo, não apenas encrespado como também abrupto.
O fracasso da Ferrovia Norte-Sul é esse, liga nada a lugar nenhum, incapaz de estabelecer conexões viáveis com o litoral Brasileiro devido a Serra do Mar.
Esse projeto é incapaz de estabelecer fortes relações de mercado, definindo sem ambiguidade, meios de transportes, mercado produtor e consumidor e rotas de conexões.
Pelo Professor Ricardo Gomes Rodrigues
São Carlos, 14 de novembro de 2023








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